Ponto de Vista: protagonismo da mulher no agro brasileiro tem alcançado novos patamares

Foi-se o tempo em que o agronegócio era um setor dominado apenas por homens. A participação da mulher no agro brasileiro tem alcançado novos patamares e conquistado cada vez mais terreno. Uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) revelou que as mulheres atuantes no agronegócio são responsáveis pela gestão de, no mínimo, 30% do segmento. Além disso, segundo dados da Comissão sobre a Situação da Mulher (CSW), da Organização das Nações Unidas (ONU), 43% do 1,3 bilhão de pequenos agricultores do mundo todo são mulheres.

Tempo de leitura: 6 minutos

| Publicado em 27/06/2022 por:

Engenheira Agrônoma | Analista de Mercado

Foto: Victória Nunes

Segundo a pesquisa, o perfil da mulher que atua no agronegócio brasileiro é de escolaridade alta e independência financeira: 55% acessam a internet todos os dias, 60% têm curso superior completo e 88% se consideram independentes financeiramente.

A presença feminina é constante em diversas atividades: nas lavouras, nas salas de ordenha, em rodadas de negócios, no comando de cooperativas e entidades de classe, no gerenciamento de fazendas e grandes empresas e outras.

Na entrevista “Ponto de Vista” da AFNews,  você vai conhecer  um pouco mais da história da engenheira agrônoma, Noelle Viegas Foletto, 32 anos,  uma personagem com forte engajamento no campo e traços de liderança. Atualmente ocupa a cadeira de presidente  da Rural Jovem de Itaqui, no Rio Grande do Sul, onde mora.

Noelle, literalmente, tem um pé na lavoura de arroz e outro na estrada. Ela costuma compartilhar da rotina com a orizicultura e das tantas viagens que já fez estradas afora por este Brasil pelas redes sociais.  Blogueira, ela é a  “Nonô na Estrada” (@nononaestrada), umas das 50 histórias do livro “Mulheres do Agro”.

AFNews – De acordo com um estudo realizado pelo  Cepea/Esalq, na última década, a participação feminina no agro, foi impulsionada, principalmente, por mulheres com mais de 30 anos e maior qualificação. Porém, essa evolução não ocorreu de maneira sistemática entre os diversos grupos socioeconômicos de trabalhadoras. Como você avalia essa  crescente participação feminina e o protagonismo da mulher no campo?

Nonô -Acredito que as mulheres sempre estiveram presentes no campo, são inúmeras esposas, viúvas, filhas, netas, sobrinhas que assumiam as propriedades e/ou tocavam junto, porém isso não era levado em consideração. Acredito que devemos à luta pela liberdade conquistada por gerações jovens e quebras de paradigmas. Foi assim que as mulheres começaram a ser levadas em conta nas pesquisas, e a internet e redes sociais deram voz e vez a muitas que antes estavam “só” trabalhando. Sempre estivemos no campo, mas agora mostramos isso com orgulho, pelo menos é o que me parece. Embora sim, “Ver” mais mulheres a campo ajuda a incentivar que mais gurias possam buscar essa realidade.

AFNews – Como é para você sentir-se parte de uma parcela representativa de um setor antes dominado pela força do trabalho dos homens?

Nonô – Eu me sinto muito bem no papel que ocupo, fui educada desde pequena a ser aquilo que eu quisesse, nunca ouvi que algo não era para mim, embora eu seja a primeira mulher da minha família a entrar na atividade “dos homens”. Mas nunca sofri preconceito e discriminação por ser mulher. As chamadas de atenção sempre foram em relação a me qualificar e melhorar meu conhecimento para não ser reduzida a um estereótipo.

AFNews – Sucessão e gestão das propriedades rurais são temas recorrentes em Congressos que reúnem mulheres de todo Brasil. Como não ficar à sombra da realidade, já que em determinadas regiões do país, a tomada de decisões é centralizada, apenas, nas mãos dos homens?

Nonô – Acho que como em qualquer trabalho, é preciso mostrar que você sabe o que está fazendo, provar sua capacidade. Muitas mulheres se sentem ofendidas, mas mesmo em situações dominadas por mulheres temos de mostrar que sabemos fazer aquilo, não é mesmo?! Defendo sempre que o conhecimento é algo que ninguém tira de você, busco sempre participar de cursos, palestras, congressos, pois a capacitação tem que ser contínua. Carrego sempre um livro comigo. E somente através de trabalho, dedicação e experiência conseguiremos vencer essa centralização da tomada de decisões, mostrar que também somos capazes de decidir e minimizar os riscos. Mas quem se vitimiza com as provações corre o risco de ficar paralisada e nunca provar seu valor. É preciso paciência e nunca deixar de acreditar em si mesma.

AFNews – A igualdade em participação nos negócios, quando comparada aos homens, é um direito pelo qual as mulheres do agro encamparam. Qual o seu Ponto de Vista sobre o assunto?

Nonô – Acho que é muito relativo. Acho que homens e mulheres possuem características intrínsecas de gênero, como, por exemplo, os homens serem mais práticos, e as mulheres terem mais jeito para lidar com pessoas (de um modo geral, embora também aconteça o oposto); mas se isso for verdade, não seria perfeito poder mesclar as suas capacidades numa tomada de decisão?! Acho que precisamos sim, que os homens reconheçam que as mulheres são capazes, mas não é uma questão de tirar o lugar de ninguém, mas de trabalhar juntos, lado a lado, pelo sucesso daquele negócio.

AFNews – A conexão no campo inaugurou uma nova era de informação e tecnologia no agro, aumentando a interação entre as pessoas. As mulheres, em geral, costumam ser mais ativas nas redes sociais. As “agroinfluencers”, por exemplo,  são seguidas por uma multidão de fãs, com quem compartilham suas rotinas.  Na sua avaliação, esse comportamento digital tem ajudado a expandir as atividades das mulheres no agro?

Nonô – Sim, e não. Sim, muitas vezes encontrar pessoas que você se identifica nas redes ajuda a reforçar suas certezas, algumas amizades transpõem a tela e acabam se tornando reais, algumas dúvidas acabam te levando a aprofundar determinado assunto, eu vejo de uma forma positiva. Por exemplo, eu via a Raquel Wedman toda linda na lavoura e pessoalmente descobri que ela trabalha mesmo a campo. Acabei me tornando amiga da palestrante Mariely Biff, conheci a Sônia Bonato e vi que elas eram ainda mais do que as redes mostram. Mas, tudo tem dois lados: vejo também algumas pessoas que se aproveitam da ‘onda agro’, posam para fotos perfeitas e não tem nada a acrescentar, isso acaba pesando de forma negativa. 

AFNews – Existe uma parcela de mulheres que deu os primeiros passos no agronegócio atuando antes, dentro e depois da porteira. Você ingressou começando por qual classificação?

Nonô – Eu comecei em outras empresas, como multinacionais e revendas, antes de voltar pra casa, e todas elas foram importantes. Sempre aprendi que por o pé na terra é o melhor jeito de aprender sobre o agro, e mesmo em cargos que não exigiam isso eu fazia questão de agregar campo, mas posso dizer que atuei mais fora da porteira, no início da carreira, viajando bastante em multinacional e conhecendo culturas diferentes da minha criação. 

AFNews – Como foi sua trajetória até aqui?

Nonô – Eu sempre morei na cidade, mas nas férias e em alguns finais de semana, ia para a lavoura de arroz.  Meu pai e minha mãe sempre ensinaram às filhas [eu e minha irmã], de onde vinha nosso sustento, e isso de alguma forma criou raízes em mim. Cursei o início do curso de administração e não me sentia bem, foi quando decidi cursar agronomia e me apaixonei pelo curso. Daí em diante foi natural querer voltar. Tive experiências em multinacionais e revendas, morando em diversas cidades do RS, até finalmente meu pai me chamar de volta, para ajudar numa lavoura de arroz. Costumo brincar que arroz está no nosso sangue, amamos o que fazemos mesmo com adversidades climáticas ou de mercado.

AFNews – Em seu blog, você é a Nonô da Estrada, em que momento da sua vida a Nonô blogueira se conecta com a mulher do agro, que cultiva arroz, um alimento que diariamente está na mesa do brasileiro?

Nonô – Acho que para mim não existe muito essa separação, pelo menos eu acho…  Eu criei o blog pra mostrar minhas viagens na multinacional e essa ligação com o agro, e hoje, em casa, cultivando arroz. Embora, eu ande muito por estradas de terra, tento mostrar para as pessoas o quanto isso pode ser encantador, o quanto essa vida ‘cercada de natureza’, mesmo tendo suas agruras, ainda assim é maravilhosa. Sou apaixonada pelo que eu faço e acho que meu papel no mundo envolve alimentar as pessoas, seja com arroz ou com palavras (gosto muito de escrever também). 

AFNews – Quais foram as  soluções encontradas por você para driblar os desafios no campo?

Nonô – Costumo brincar que eu estudo mais depois de formada do que estudei na faculdade, porque conhecimento, para mim, é sempre importante! Depois, ter pessoas com quem conversar e que te apoiem nas tuas decisões, minha mãe sempre me deu forças para não esmorecer, e as grandes amigas que o agro me deu. Às vezes, você acha que só você passa por aquilo, e descobre que mais gente passa e consegue apoio. Resiliência, conexão com a natureza, bons amigos, animal de estimação, tudo que reforçar você mesma, ajuda!

AFNews – Se pudesse dar um conselho, qual seria para as mulheres não cortarem suas raízes do campo, migrando para centros urbanos, ou então para aquelas que pretendem ingressar de alguma maneira no agro, seja porteira afora ou dentro?

Nonô – Nosso setor enfrenta dificuldades diárias, em todos os segmentos, seja de acesso a crédito, falta de assistência em locais remotos, falta de políticas públicas,  adversidades climáticas.  Poderia citar infinitas coisas, mas sei que não falta vontade e capacidade para as mulheres. Busque ajuda, procure pessoas que possam te ajudar, não tenha vergonha de trabalhar em outra coisa para juntar dinheiro e construir seu sonhos. A única  vergonha é você abdicar do que acredita. Enquanto estamos vivos, há chances. E no agro sempre tem lugar para todo mundo, basta querer. Não tenha medo! 

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