Obras na BR-277 podem prejudicar escoamento da safra recorde de grãos ao Porto de Paranaguá

Fluxo deve dobrar na estrada, chegando a 54 mil caminhões por mês; porto pode perder volume de carga para terminais de Rio Grande (RS)

Tempo de leitura: 7 minutos

| Publicado em 10/03/2023 por:

Engenheira Agrônoma | Analista de Mercado

Foto: DER/PR

Nos últimos meses, descer a Serra do Mar levando carga até o Porto de Paranaguá, no Paraná, se tornou um desafio para motoristas de caminhão.

Obras de manutenção na BR-277, que começaram em dezembro de 2022 e têm previsão de seguir até o fim de março, têm causado longas filas e lentidão. A viagem, antes feita em duas horas, agora pode demorar oito horas ou mais. A situação pode prejudicar o escoamento da safra recorde de grãos.

Os impactos da manutenção no corredor logístico, que incluem fechamento de pistas, preocupam entidades dos setores produtivo, de agronegócio, de transportes e de exportação.

Além das condições da rodovia, o cenário atual inclui o escoamento de uma safra cheia no Paraná – cerca de 21 milhões de toneladas de soja e mais de 19 milhões de toneladas de milho (1ª e 2ª safras) -, somado à capacidade ampliada no porto e prazos contratuais de envio das cargas destinadas à exportação.

Nos quilômetros 41 e 42, as obras visam à contenção da encosta, após os deslizamentos de pedras sobre a estrada, em outubro do ano passado, devido às fortes chuvas que atingiram a região.

“O agronegócio do Estado poderá ser prejudicado diretamente pela demora e atraso na manutenção das rodovias afetadas com os desabamentos”, considera o economista Salatiel Turra, analista de desenvolvimento técnico da Organização das Cooperativas do Estado do Paraná (Ocepar).

Para a entidade, há alguns pontos de atenção nesse período de escoamento da safra de grãos – que vai de março a maio -, somado ao transporte de proteína animal.

A exemplo do maior fluxo de caminhões e do custo adicional gerado pela lentidão no trajeto (veja o vídeo abaixo), para toda a cadeia produtiva, envolvendo os gastos com estadia dos veículos e demurrage no porto (taxa cobrada pelo tempo que o contêiner fica no terminal além do que foi contratado), entre outros.

Maior fluxo de caminhões e custo adicional gerado pela lentidão no trajeto ainda envolvem gastos com estadia dos veículos e demurrage
Além disso, desde fevereiro o Porto de Paranaguá começou a operar com três berços para escoar os produtos agrícolas, o que implica uma necessidade maior de grãos disponíveis para embarque.

Entre os problemas listados pela entidade com esse cenário estão terminais sobrecarregados, grandes filas de caminhões, fila de navios aguardando para atracar e perda de carga para outros portos. “Será um prejuízo financeiro para o Estado”, avalia Turra.

Levando-se em consideração o aumento da capacidade do porto, a Ocepar desenvolveu um cálculo presumido, chegando à conclusão de que aproximadamente 54 mil caminhões transitem por mês até o terminal, transportando grãos.

Além do que, para não desabastecer o porto, é necessário que se mantenha em média 2.100 caminhões por dia, abastecidos com 36 mil toneladas de grãos. Por se tratar de uma previsão, a título de exemplificar a situação, os números podem ou não se consolidar.

Porto pode perder volume de carga

A Associação dos Terminais do Corredor de Exportação de Paranaguá (Atexp), que atua no Porto de Paranaguá, adverte ainda que a complexa logística pode afetar as operações no terminal, considerado um dos maiores graneleiros da América Latina.

“O Porto de Paranaguá vai movimentar muito bem durante esses meses, mas levando-se em consideração que será uma safra recorde e que vai ter muito volume para exportação, o porto pode, sim, perder carga para outros portos em razão desse problema na BR-277”, ressalta Andre Maragliano, diretor da Atexp.

Maragliano explica que o aumento exponencial de caminhões e o possível atraso no transporte e no escoamento dos produtos derrubam a previsibilidade, e reforça a ideia de que essa condição pode impulsionar mudanças como a transferência de navios para outros portos.

Até pela demurrage que, segundo o dirigente, gira em torno de US$ 35 mil a 40 mil por dia para cada navio parado no porto. Assim como as taxas de estadia de caminhões ou vagões de trem, também usados para o transporte de grãos até o porto.

Custo da demurrage gira em torno de US$ 35 mil a 40 mil por dia para cada navio parado no porto.

Nos cálculos da Atexp, a descida da serra pelos caminhões pode até passar de 12 horas. Por isso, se a fila ficar muito grande e houver soja disponível em algumas regiões do Paraná, uma das alternativas é enviar a produção para o Porto de Rio Grande, no Rio Grande do Sul.

“Lá tem capacidade e não tem fila nesse momento. É muito mais caro mandar a carga do Paraná para o Porto de Rio Grande, mas o custo na outra ponta, que é a demurrage, acaba compensando”, salienta Maragiliano.

Em janeiro, quando o Porto de Paranaguá bateu recorde de movimentação em relação ao mesmo mês do ano anterior, já houve empresas que, por falta de previsibilidade, desviaram a carga para navios de outros portos, como o Porto de São Francisco do Sul, em Santa Catarina.

Isso, levando-se em conta que janeiro é o mês de menor movimento no porto. “Esse é um impacto direto que o porto acaba sentindo”, frisa o diretor da Atexp.

Conforme dados da Portos do Paraná, Paranaguá e Antonina movimentaram em janeiro 4,208 milhões de toneladas entre embarques e desembarques – volume 1% maior que as 4,157 milhões de toneladas movimentadas no mesmo período em 2022.

Atualmente, a fila no Porto de Paranaguá passa de 42 dias, segundo a Atexp. Isso resulta no que se define pelo termo “plugado”. “Significa que todo mundo está cheio, sem capacidade”, afirma Maragliano.

Ele acrescenta que, no interior do Estado, não há capacidade de armazenamento, a produção é enviada para o porto, que começa a receber a carga, mas fica ‘plugado’, porque tem fila de navios. Assim, o porto receberá muita carga e os terminais só irão liberar espaço à medida que a carga for embarcando e o navio puder desatracar.

Contatada pela Globo Rural, a administração do Porto de Paranaguá informou que não conseguiria atender à solicitação de entrevista.

Preocupação do setor produtivo

A demora para a conclusão das obras da BR-277, com o fechamento de trechos e pistas da rodovia, preocupa também o setor produtivo. João Arthur Mohr, gerente de Assuntos Estratégicos da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), espera que a situação esteja normalizada ainda em meados de março.

“Teremos uma superssafra no estado. A situação precisa ser resolvida, porque o afunilamento na rodovia tem causado filas diárias de 4 km a 10 km de extensão, o que gera horas a mais de viagem. Isso prejudica a agricultura, o cooperativismo, a indústria e a exportação”, afirmou, em entrevista à Globo Rural.

Afunilamento na rodovia tem causado filas diárias de 4 km a 10 km de extensão.

Mohr concorda que a obra é complicada e demorada, para garantir mais segurança aos usuários da rodovia. Mas acusa o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) de deficiência no processo de execução. Parte da obra precisou ser assumida pelo Departamento de Estradas de Rodagem do Paraná (DER/PR), por meio de um acordo de cooperação técnica.

Além dos prejuízos já listados, o gerente da Fiep destaca o disparo no valor do frete, que aumentou em torno de 20% a 30% em função da morosidade enfrentada por caminhões e transportadoras. “No momento, há dificuldade de encontrar quem queira ir com o caminhão até Paranaguá”, frisa.

O setor privado, incluindo a Fiep e a Atexp, chegou a se manifestar para injetar recursos financeiros, a fim de acelerar a obra, o que não foi aceito pelo órgão federal.

Prejuízos diários de R$ 7,2 mi em diesel

A Federação das Empresas de Transporte de Cargas do Estado do Paraná (Fetranspar), que representa 20 mil companhias, estima prejuízos diários na ordem de R$ 7,2 milhões somente em combustível.

“É um problema que já dura mais de 125 dias. Vemos falta de competência na realização das obras de manutenção e recuperação desta que é a única estrada para o Porto de Paranaguá”, lamenta o coronel Sérgio Malucelli, presidente do Sistema Fetranspar.

As empresas relatam aumento de 17% no consumo do diesel nesses mais de quatro meses, devido à lentidão nas estradas. O tempo médio de deslocamento também ficou mais demorado: motoristas levam até 7 horas para fazer o trecho Curitiba-Paranaguá, o que em condições normais poderia se fazer em um terço do tempo. A Fetranspar reforça que o frete no período teve aumento de 20%.

A lentidão também prejudica a manutenção dos veículos. Com o anda e para em horas e horas de engarrafamento na rodovia, os caminhões sofrem desgastes de embreagem, motor e caixa de câmbio.

Empresas relatam aumento de 17% no consumo do diesel nesses mais de quatro meses.

A entidade ainda denuncia outros problemas: assaltos e o crime de vazadas (abertura da carroceria por criminosos para espalhar a soja) ficaram mais frequentes.

Mais lento, o caminhão vira presa fácil para os bandidos. Somente no início do ano, a Federação recebeu mais de 20 relatos de vazadas no trecho da descida da serra até a chegada a Paranaguá.

“Agora, no pico da safra, teremos mais de 40 milhões de toneladas de grãos para passar por essa estrada. Imagine a crise que estamos para enfrentar”, avalia Malucelli. Juntamente com o representante da Fiep, ele defende a volta da concessão da rodovia, mediante um contrato justo e com a garantia da manutenção das estradas, uma vez que o tráfego intenso de caminhões também gera a deterioração do asfalto.

Como estão as obras na BR-277

Em nota enviada à Globo Rural durante a produção desta reportagem, o Dnit confirmou que a interdição parcial da rodovia se deve à queda de barreira por causa das fortes chuvas que atingiram o Paraná e informou que as equipes seguem executando as obras de recuperação no km 41,5.

“Os serviços de recuperação estão cerca de 32% executados. Os trabalhos recomeçaram em 23 de fevereiro e a faixa de descida será novamente interrompida, até dia 15 de março. Após essa data, a terceira pista será liberada em definitivo. Estimamos que as obras continuarão até o fim de março”, afirma o órgão. A previsão inicial para a conclusão das obras era dezembro de 2022.

Faixa de descida será novamente interrompida até dia 15 de março, quando a terceira pista será liberada em definitivo.

Já nos quilômetros 40 e 41,4, os serviços de recuperação estão sendo realizados pelo DER/PR. Por meio da Agência Estadual de Notícias, o governo do Estado informou que já estão na etapa final as obras de contenção da encosta da BR-277 na altura do km 41, no Litoral.

Além de continuar avançando na perfuração do maciço rochoso, o DER/PR começou a instalar a tela metálica de alta resistência, que irá prevenir o escorregamento de materiais de grande porte sobre a rodovia, garantindo a segurança dos usuários.

No caso de novos danos na encosta, devido a chuvas excessivas ou outras causas, a tela metálica mantém as rochas e lascas no lugar, evitando que escorreguem e causem o deslocamento de mais material, além de não atingirem a pista. O primeiro segmento, de 25 metros de comprimento, começou a ser instalado antes do Carnaval, com os serviços sendo retomados na semana seguinte.

Atualmente este trecho da rodovia está com três faixas de tráfego liberadas, com uma quarta faixa sendo ocupada por guindaste. O DER/PR já concluiu os serviços de contenção definitiva da encosta da BR-277 no km 39.

No fim da noite desta terça-feira (07/03), a Polícia Rodoviária Federal interditou um novo trecho na BR-277, a partir da antiga praça de pedágio em São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba, no km 60.

A medida foi anunciada depois de parte da pista afundar na altura do km 33, em Morretes, no sentido litoral, afetando assim a descida para o Porto de Paranaguá.

Caminhoneiros com veículos menores podem optar por desvio pela BR-376, atravessando a baía de Guaratuba pelo ferry boat. Caminhões maiores aguardam para seguir viagem. Segundo o G1, o Dnit afirmou, em nota, que o problema foi em decorrência das chuvas. Não há previsão para liberação dos veículos.

Globo Rural

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