Em 2023, a produção de leite no país é preocupante. O cenário é caracterizado pela partida de produtores – principalmente os de pequeno e médio porte – e pela diminuição do rebanho.
Essas alarmantes observações provêm da análise de Rosana de Oliveira Pithan e Silva, pesquisadora atuante no Instituto de Economia Agrícola (IEA), ligado à Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), vinculada à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.
Conforme a especialista, o abandono da atividade e a crescente centralização da produção, que historicamente esteve arraigada na esfera da agricultura familiar, estão em ascensão no Brasil.
“É uma tendência mundial, que funciona como uma estratégia que busca maior eficiência, com necessidade de escala para reduzir custos e ter rentabilidade maior”, explica.
Contudo, ainda há sinais de que a concentração da atividade ocorre na propriedade com maior escala e redução de rebanho, segundo a Embrapa. Atualmente, 2% dos estabelecimentos produzem 30% do leite do país.
Diminuição da concorrência
No estudo, publicado pelo IEA, a pesquisadora aponta que essa ampla produção na mão de poucos pode aumentar daqui para frente.
Como consequência, pode-se ter condução do mercado e diminuição da concorrência, atuando conforme interesse das empresas e, muitas vezes, com restrição da oferta de produtos e preços mais altos.
“É importante frisar que esse modelo concentrador já ocorreu em vários setores do agro. Isso mostra a necessidade de políticas públicas aos médios e pequenos produtores, principalmente aqueles da agricultura familiar, como os assentados, que buscam uma atividade que dá garantia de uma renda mensal. A redução de sua participação na produção poderá, a curto e a médio prazo, tirá-los do mercado, trazendo grande problema social, que deve ser pensado antes que ocorra de fato”, alerta Rosana.
Aumento dos preços
O ano de 2022 foi marcado por um aumento significativo nos preços do leite, que se agravou durante a entressafra. Isso teve um impacto negativo no consumo da população, devido à situação econômica do país, caracterizada por um cenário de desemprego e redução nos salários dos trabalhadores.
O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), indicou uma notável variação de 22,1% no grupo “Leites e derivados”, contrastando com uma inflação anual de 5,8%.
Os principais fatores que influenciaram diretamente os preços praticados foram:
- Redução da produção nacional com a baixa oferta de leite cru;
- Alta dos preços dos principais itens da alimentação do gado (milho e soja);
- Crescente abandono da atividade (desde 2021) com consequente queda da captação de leite pela indústria, ano após ano;
- O fenômeno La Niña, que por três anos provocou seca intensa no Sul do país (importante região produtora do produto), afetando o pasto e ainda o solo para a produção de milho;
- A mudança crescente de parte do sistema produtivo do gado para confinamento, que exige maior volume de insumos alimentares;
- Chuvas fortes na região Sudeste, que deixaram pastos extremamente úmidos; a inflação; o aumento dos preços dos combustíveis;
- A ascensão da cotação do dólar; e
- O conflito entre Ucrânia e Rússia, que trouxe distúrbios no mercado internacional.
Produção de leite
Quanto à produção de leite industrializado, houve, em 2022, uma redução de 5% em relação ao ano anterior, com quase 1 bilhão de litros a menos, o que levou à necessidade de aumento nas importações em 26,3%, especialmente da Argentina e Uruguai.
“Isso representa 10% do total consumido internamente, o que é muito preocupante”, disse a pesquisadora.
Além disso, a redução da produção de leite não é um fator isolado ao Brasil, mas vem ocorrendo em países como a Nova Zelândia (maior exportador de leite do mundo), que está com sua produção estagnada. Acontece o mesmo na União Europeia, e países da América Latina também têm tido crescimento pífio nos últimos anos. Apenas nos Estados Unidos tem havido aumento.
Dessa forma, outro ponto a ser considerado é com relação à crescente adoção do confinamento na produção de leite, revelando-se uma tendência proeminente.
Esse modelo implica na exigência de maiores investimentos na nutrição do gado, priorizando alternativas alimentares. Isso se deve ao fato de que o cultivo intensificado de milho e soja acarretaria em aumentos na produção e cultivo desses grãos.
“É preciso investimentos na área produtiva ou, no caso do confinamento, em tecnologia para sua implantação e alcançar maior produtividade e eficiência o que, nem sempre, o pequeno produtor tem conhecimento desses tópicos por falta de assistência técnica pública e acesso a financiamentos, ou seja, há necessidade de políticas públicas efetivas para atender esses produtores, orientando-os e propondo técnicas e tecnologias acessíveis que o ajudem, aumentando a qualidade e a produtividade do leite, sem a necessidade de altos investimentos, garantindo sua sobrevivência”, finaliza Rosana.