A ideia de cobrar Imposto de Renda (IR) sobre o rendimento das Letras de Crédito do Agronegócio (LCA) recebeu críticas de especialistas e parlamentares e lideranças do agro. A avaliação é de que a medida eleva incerteza sobre o crédito para o setor e os mecanismos de que o mercado se utiliza para financiar a atividade rural no Brasil, com possíveis consequências sobre o Plano Safra.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, incluiu a LCA em um pacote para compensar os ajustes no decreto que aumenta o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). O que hoje é zero pode passar a 5% de IR. As Letras de Crédito Imobiliário (LCI) estão na mesma situação.
O governo vai editar uma Medida Provisória, que vigora de imediato, mas precisa passar pelo Congresso Nacional para não perder a validade e se tornar, de fato, lei. A cobrança só passaria a valer para novas emissões a partir de 2026, mas o plano do Ministério da Fazenda levantou o sinal de alerta no setor, pois atinge uma fonte de recursos cada vez mais importante para o crédito rural.
Levantamento do consultor Ivan Wedekin, que já foi secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, mostra que, na safra 2020/21, a LCA contribuiu com 16,1% do crédito total do Plano Safra. Foram R$ 39,9 bilhões. No Plano Safra 2023/24, a participação foi de 38,9%, com R$ 163,7 bilhões. No atual (2024/25), de julho do ano passado a maio deste ano, foi de 29,1% (R$ 97 bilhões).
Wedekin avalia que uma eventual cobrança de imposto de renda sobre os rendimentos da LCA vai deixar o título mais caro para o investidor. E menos competitivo em relação a outras opções de investimento na carteira das instituições financeiras, como um CDB (Certificado de Depósito Bancário), por exemplo.
“Caso haja uma diminuição de demanda e de emissões de LCA, vai faltar dinheiro para o crédito rural. O governo está, por desespero, atirando no pé, atirando no agronegócio e na produção agropecuária”, diz o consultor. “Sempre foi um pilar, desde 2004, a não tributação dos títulos do agronegócio”, acrescenta.
Em nota técnica a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) lembra que o governo federal promoveu outras mudanças na LCA. Ampliou de 50% para 60% o direcionamento dos recursos do título para o crédito rural (exigibilidade) e reduziu de nove para seis meses o prazo de rentabilidade do investimento.
Para a entidade, cobrar imposto de renda vai desestimular os investidores, e o governo deveria adotar outras medidas para manter o título atrativo:
- Manter a isenção tributária do título para pessoas físicas;
- Elevar a exigibilidade do título no crédito rural para 85%;
- Reduzir o prazo de rentabilidade das LCAs para 90 dias;
- Possibilitar que os estoques de LCA sigam a regra de vigência na sua aplicação, até o fim de sua validade.
“Entra por um bolso, sai pelo outro”
No domingo (8/6), Haddad mencionou apenas a tributação de LCA e LCI. Em Brasília, o Valor Econômico obteve a informação de que também podem entrar no pacote Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA), Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA), Cédula de Produto Rural (CPR) e os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas do Agronegócio (Fiagro).
Também ex-secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, José Carlos Vaz reforça as dúvidas sobre a eficácia da medida. Uma taxação dos rendimentos pode deixar a LCA menos atrativa ao mercado. A consequência seria um aumento do custo do crédito rural para próprio governo, via equalização de juros.
“Entra no bolso direito e sai no bolso esquerdo. É preciso dar mais racionalidade ao subsídio do crédito rural”, defende Vaz, alertando que a situação pode ser ainda mais grave caso a Fazenda inclua outras fontes de recursos para o agro.
Otaciano Neto, da Zera.Ag, faz avaliação semelhante. Para ele, uma eventual taxação das LCA’s atinge, em uma só canetada, as três principais fontes de financiamento do agronegócio do Brasil: o crédito rural oficial, subvencionado; o crédito dos bancos a juros livres; e o mercado de capitais.
“Eu não coloco o barter, porque ele se financia nesses três. É redundante. E há o efeito inflacionário quando você tem um crédito mais caro”, diz.
O economista André Perfeito explica que é mais difícil empurrar o custo tributário de produtos de crédito para o investidor, porque é ele que está dando o crédito. Bancos e corretoras que oferecem os títulos ao mercado terão que renunciar a parte dos seus próprios ganhos.
“Na hora que um originador de uma LCI ou LCA lança o produto, oferece uma taxa que entende como atrativa o suficiente para você investir. Mas não entrega todo o potencial ganho para o cliente final. Terá que entregar mais do próprio ganho para manter as taxas atrativas para os consumidores finais”, diz.
No ambiente político, também houve reação. O líder da oposição na Câmara, deputado Zucco (PL-RS), disse que o governo não dialogou sobre a proposta, porque não quer ouvir contrapontos. A Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) endossa as críticas, alertando que a medida encarece o financiamento do setor e pode resultar em alimentos mais caros para o consumidor.
“A tributação tende a afastar investidores e encarecer o crédito para quem produz. Mais uma vez, o ajuste fiscal foca apenas na arrecadação, sem enfrentar despesas obrigatórias nem revisar privilégios. Enquanto LCIs e LCAs serão taxadas, outros títulos permanecem isentos, sem critérios claros que justifiquem a diferenciação”, argumentam os parlamentares.