O Grupo Carrefour voltou, nesta manhã, a receber as carnes de frigoríficos que boicotavam a empresa, após a direção-geral questionar as normas e padrões seguidos pelo produto brasileiro, apurou o Valor com duas fontes. A JBS, responsável por 80% das compras, fez novos envios já ao Atacadão, rede do grupo, logo cedo.
Os supermercados e hipermercados do grupo, além de Atacadão e Sam’s tiveram regularizado o recebimento dos fabricantes. O Valor apurou que, na noite de ontem, um terço das lojas do grupo de atacado, supermercado e hipermercados já tinham falta de produtos, como uma aceleração da crise interna.
A decisão de retomar a venda ocorreu após a empresa encaminhar, em mãos, carta ao governo brasileiro, por meio do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, em que destacava a qualidade do produto brasileiro e a longa relação com os fabricantes locais.
A decisão de elaborar e enviar a carta, e o seu teor, foram antecipados no início da noite de ontem pelo Valor Pro.
Pelos cálculos, mais de 20 empresas vetavam a entrega até segunda-feira e esse número tinha potencial para chegar a 40 rapidamente.
Ainda segundo a reportagem, a questão já causava problemas maiores para a empresa. Atacadão e Assaí tem uma diferença pequena em termos de vendas, com Atacadão liderando o setor, e com o boicote avançando, projeções internas indicavam que Assaí poderia superar Atacadão no quarto trimestre, por conta do avanço do não recebimento de novos produtos. Além de carne, frango e ovos não estavam sendo entregues.
Reação para evitar gôndolas vazias
O Carrefour pôs em prática formas para tentar atenuar os problemas com a interrupção no fornecimento de carne bovina para a rede. Limitação de promoções, para impedir um esvaziamento mais rápido das prateleiras, e disposição de outros produtos congelados nas áreas destinadas à carne bovina, de forma a impedir a formação de “buracos” nas prateleiras, são algumas das medidas definidas, apurou o Valor.
Como não há um esvaziamento das gôndolas até o final da tarde desta segunda, segundo duas fontes do braço de varejo da rede, a situação permanece sob controle neste momento.
Na quarta-feira, o CEO global do Carrefour, Alexandre Bompard, disse que os produtos sul-americanos não atendem às exigências e às normas francesas, e esse problema vinha afetando os produtores locais. Ainda disse que a rede não iria mais comercializar qualquer carne proveniente do Mercosul.
Em reação ao comunicado em rede social, feito pelo CEO global, Alexandre Bompard, as unidades de supermercados e hipermercados da rede, além das unidades do Atacadão e Sam’s Club não estão recebendo mercadorias desde o último envio, que varia a depender de rede para rede.
A carne bovina representa cerca de 2,5% da venda anual das bandeiras do Carrefour (a metade dos 5% referente ao faturamento de todas as proteínas, como aves e suínos). E a JBS responde por 80% do abastecimento do negócio de varejo, e 100% da venda do Atacadão, informou o Valor no sábado.
Além da JBS, as empresas Minerva, Marfrig, Masterboi interromperam o envio das mercadorias desde a quinta-feira passada. Na ponta contrária, porém, o Carrefour é irrelevante dentro da venda da JBS, com venda robusta no exterior e distribuição fortemente pulverizada no país, e esse desequilíbrio de forças reduz o poder de barganha da varejista nessa negociação.
Situação das lojas
Ainda não está sendo utilizado, pelo menos nas unidades da capital paulista, o aviso nas gôndolas comunicando clientes dos problemas de ruptura, mas a depender da evolução desse quadro, é uma medida possível, apurou o Valor. Mas o comunicado nas lojas só será utilizado se realmente necessário, pelo efeito negativo na percepção do cliente.
O reabastecimento das lojas varia muito de região a região, e produto a produto.
No caso de Atacadão e Sam’s Club, as novas entregas para São Paulo, por exemplo, deveriam ocorrer na sexta-feira para parte desses pontos, mas foram canceladas.
Como essas unidades têm estoques de quatro dias em média, como antecipou o Valor Pro no sábado, os pontos podem ter falta de mercadorias no início desta semana.
O Valor buscou informações no Carrefour dos bairros do Limão, zona norte de São Paulo, dos Jardins (unidade de Pamplona), e do Shopping Eldorado, zona oeste, e nos dois primeiros, determinados cortes da JBS e Masterboi, de giro mais alto, já não podiam ser encontrados. Mas funcionários sugeriam cortes e marcas substitutos.
A exposição de carnes com ofertas agressivas de preços diminuiu no grupo como um todo, diz uma fonte a par do tema do Sam’s, como forma de controlar melhor os estoques. Entre 50 cortes de carne ofertadas pelo Carrefour em seu aplicativo hoje, para a venda na capital paulista, apenas dois estão com promoções.
Em relação às promoções, esta semana é fundamental para a venda de Black Friday, e os produtos de açougue, além de ter uma margem de contribuição alta para os resultados, ajudam mais a atrair tráfego de clientes do que outras mercadorias não consideradas como “categorias de destino” (aquelas em que o consumidor sai de casa com a intenção de compras).
Para efeito de comparação da importância na proteína na cesta do Carrefour, estima-se que de 20% a 25% do número de operações (tíquetes) de compra tenha algum tipo de carne.
O Brasil é o segundo mercado em importância para o Carrefour global, e respondeu por 15,5 bilhões de euros em vendas de janeiro a setembro, equivalente a cerca de 25% do total, segundo balanço publicado – isso é quase o dobro da Espanha e mais de quatro vezes a venda da Itália.