Seca e ‘sol escaldante’ já comprometem a próxima safra de café

Em MG, clima adverso afeta floradas da safra 2025/26; SP deve ter replantio após incêndio.

Tempo de leitura: 4 minutos

| Publicado em 20/09/2024 por:

Engenheira Agrônoma | Analista de mercado

A combinação de seca prolongada, temperaturas acima da média e incêndios já causam perdas nas lavouras de café do país. Como na cana-de-açúcar — outra cultura afetada por essas condições —, os prejuízos não se restringem à atual safra. Produtores já consideram replantar parte de cafeeiros em formação — com menos de dois anos, e que ainda não entraram em produção. O impacto dessa medida será sentido nas colheitas das duas próximas safras, segundo especialistas.

Se Minas Gerais, o maior produtor de café arábica do país, sofre com falta de chuvas e temperaturas elevadas, São Paulo enfrentou, além disso, incêndios, como os que destruíram áreas de cafezais na Alta Mogiana.

A cafeicultora e diretora da Associação de Produtores de cafés especiais da Região da Alta Mogiana (AMSC), Fernanda Maciel, conta que a altitude de 960 metros e o frescor do local já não existem mais. Segundo ela, a seca e os incêndios em algumas propriedades da região queimaram alguns cafés, que precisarão ser replantados. Outros, que já vinham castigados por uma geada no início de agosto, estão desfolhando e não irão produzir a quantidade esperada na próxima safra, a 2025/26.

A propriedade de Fernanda Maciel, em Pedregulho, não chegou a ser atingida pelo fogo, como ocorreu com alguns vizinhos, mas a falta de chuvas deve frustrar sua expectativa de colher 5 mil sacas de arábica. “Seria nosso ano de melhor safra, pois sofremos com a geada de 2021 e tivemos que trocar 60% do cafezal e recomeçar os cuidados com a planta. Recuperamos na safra 2023/24, colhendo 4 mil sacas, e a expectativa era que 2025/26 rendesse 5 mil sacas, o que será impossível”, lamenta.

O pesquisador da Embrapa Café, Carlos Cesar Ronquim, explica que quando altas temperaturas se somam a um período seco, a perda de água do solo e das folhas da planta para a atmosfera cresce. Para evitar essa perda, a planta fecha os estômatos (poros), o que reduz a captação de CO2, diminuindo a fotossíntese, e consequentemente, a produção de grãos.

Impactos na florada

Nesse cenário de seca em várias regiões produtoras do país, produtores já veem impactos na florada da safra 2025/26 — que acontece entre setembro e dezembro.

Ronquim afirma que a seca pode levar ao amplo abortamento das flores e produção de frutos menores e mais leves, com efeitos na produtividade das lavouras. O clima irregular afeta ainda a uniformidade do florescimento do café, levando também a uma maturação também desuniforme.

No sul de Minas Gerais, a estiagem prolongada e as temperaturas acima do normal também têm feito os cafeeiros murcharem e lesa a florada, conforme relatos de agricultores. Eugênio Andrade Souza, de Alterosa (MG), cultiva 25 mil plantas em seis hectares e começa a calcular as perdas causadas pela seca.

“As lavouras em formação vão ter de ser replantadas. Serão dois anos sem produção”, diz Souza, segundo quem a última chuva na região aconteceu há mais de 160 dias. Ele estima que terá que replantar em torno de 4 mil pés de café, de 10 mil em fase de formação. “O sol está escaldante, está cozinhando a florada. Se continuar assim vamos ter uma perda de 20% a 25% na nova safra”, afirma.

Arnaldo Bottrel Reis, presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Varginha e da Comissão Técnica do Café da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg), afirma que o sul de Minas e o Cerrado Mineiro são as regiões que mais sofrem com o clima adverso, além da Mogiana, em São Paulo.

“O déficit hídrico já afetou a primeira florada, que é a mais importante. Vai ter que chover muito para que a planta se recupere para as duas floradas seguintes”, diz.

De acordo com a Fundação Procafé, as regiões cafeeiras do sul de Minas apresentam um déficit hídrico no solo de 125 milímetros. Na região do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, o déficit médio é de 243 mm, chegando a 332 mm em Araguari. Na região da Mogiana, o déficit hídrico é de 292 mm.

Queda de chumbinhos

Além do risco de abortamento de flores, um eventual prolongamento da seca pode levar à queda dos chumbinhos (microgrão do café) no caso das flores que vingaram, segundo a Procafé.

“O cenário climático segue muito preocupante, com previsão de chuvas só no fim de setembro ou início de outubro. O tempo ideal para favorecer as floradas dos cafezais é de chuvas em setembro e com maior intensidade em outubro”, diz Sandra Moraes, da Cooperativa dos Cafeicultores do Cerrado (Expocacer).

Segundo ela, não chove no Cerrado desde maio. “Com certeza a lavoura vai responder de forma negativa. Mas ainda não há como estimar o dano”, afirma.

O que chama a atenção na seca deste ano é a extensão de período sem chuva, diz Juliano Tarabal, diretor-executivo da Federação dos Cafeicultores do Cerrado. Segundo ele, o déficit hídrico já está em 300mm em muitos locais, mais ou menos 50mm a mais se comparado a anos anteriores. A temperatura média também está maior, e foi de 19,7º C nos últimos meses, cerca de 0,6º C a mais que a média.

Altas temperaturas preocupam

Sérgio Brás Regina, coordenador técnico estadual de culturas da Emater-MG, diz que as altas temperaturas são mais preocupantes do que a estiagem. “No geral, há um pouco de escaldadura nas folhas. Isso é preocupante porque causa perda na produção, mas isso se deve às altas temperaturas. Já o déficit hídrico, se chover semana que vem as plantas voltam ao estado normal e vão florir”, estima.

O presidente da Faemg, Antonio De Salvo, também avalia que lavouras podem se recuperar caso chova ainda em setembro.

Olhando mais à frente, também há preocupação. O clima adverso agora pode interferir até na produção da safra 2026/27. Isso porque a seca diminui a capacidade das plantas de gerarem novos ramos, que irão produzir no ano seguinte, observa Ronquim, da Embrapa.

Globo Rural

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