Menos água, sementes, fertilizantes e defensivos, mais alimentos. Esse é o princípio por trás da agricultura de precisão, pacote integrado de técnicas que propõem a aplicação sob medida de insumos levando em conta as condições de cada metro da lavoura. Referência mundial em produção agrícola, o Brasil ainda tem muito a avançar para transformar o conceito em rotina na maioria das propriedades rurais em tempos de digitalização acelerada, em que máquinas autônomas, robôs, sensores de solo, ferramentas de geolocalização e análise de dados, entre outros aparatos, vêm revolucionando a prática milenar de plantar e colher. Sancionada em dezembro de 2022, a Lei nº 14.475, que institui a Política Nacional de Incentivo à Agricultura e Pecuária de Precisão, promete ser decisiva nesse cenário.
“Estamos no meio de uma transformação digital da sociedade, e essa política vai ajudar a agricultura a interagir com essa nova realidade. Ela prepara nossa agricultura para um novo patamar tecnológico”, afirma o pesquisador Ricardo Inamasu, da Embrapa Instrumentação e do Portfólio Automação e Agricultura de Precisão. A unidade contribuiu na formulação da nova política pública por meio da elaboração de uma nota técnica.
Para Inamasu, um dos pontos positivos da legislação é o fato de prever ações de educação e treinamento focadas na agricultura de precisão. Atualmente, observa, são raras as escolas de ciências agrárias no país que contemplam o tema em seus currículos, mesmo como uma disciplina optativa ou atividade de extensão rural. “Daí a importância dessa política, porque vai permear não apenas um setor industrial, mas toda a agricultura, que é um ecossistema: a universidade, o centro de pesquisas, a indústria de máquinas, as startups”, destaca o pesquisador, que é presidente do Comitê Gestor do Portfólio Automação, Agricultura de Precisão e Digital da Embrapa.
Autor do projeto de lei 149/2019, que deu origem à nova política, o deputado federal Heitor Schuch (PSB-RS) diz que o objetivo principal das disposições é levar para o dia a dia das propriedades de pequeno e médio porte a inovação hoje limitada às grandes extensões de terra. O parlamentar espera que o acesso às tecnologias de agricultura de precisão seja previsto em iniciativas federais de crédito, como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e o Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural (Pronamp). “Com isso, vamos poupar recursos naturais e fazer uma distribuição de insumos de forma muito mais organizada, diminuindo o custo de produção”, afirma.
Ainda é preciso aguardar a regulamentação da lei, que definirá, por exemplo, as fontes de recursos para financiar as ações indicadas na nova política. A expectativa de Schuch é que isso ocorra ainda no primeiro semestre de 2023, ou seja, antes do anúncio do Plano Safra 2023/2024, possibilitando a inclusão de investimentos em agricultura de precisão nas contratações de crédito rural que serão feitas ao longo do ano agrícola com início oficial em 1º de julho.
Para o Líder do Comitê Institucional da ConectarAGRO, Felipe Carvalho, a nova política contribuirá para desatar um dos grandes nós que atrapalham a modernização do agronegócio no país, o acesso à internet no campo. De acordo com o último Censo Agropecuário, de 2017, mais de 70% das propriedades rurais brasileiras não contam com conexão à rede, o que dificulta, por exemplo, a análise dos dados captados nas lavouras pelas máquinas e ferramentas hoje conectadas e integradas. “A falta da conectividade torna as soluções subótimas. Há espaço para muito mais automatização (de processos)”, observa Carvalho.
Criada por meio de uma parceria entre as empresas AGCO, Climate FieldView, CNH Industrial, Jacto, Nokia, Solinftec, TIM, Trimble e Yara, a ConectarAgro busca aumentar a conectividade nas zonas rurais e, para isso, defende a disseminação da banda larga 4G por meio da faixa de frequência de 700 megahertz (MHz). Segundo Carvalho, essa solução é mais viável no curto prazo do que a quinta geração da internet móvel. “Hoje, há áreas no campo que não têm sequer o 3G. Haveria muito dificuldade de cobrir todo o campo brasileiro com o 5G imediatamente, pois nem os centros urbanos estão totalmente cobertos”, explica.
Expectativas promissoras
A consultoria sueca Berg Insight, que presta serviços nas áreas de Internet das Coisas e tecnologias digitais, estimou que o mercado global de agricultura de precisão cresceria de 2,7 bilhões de euros em 2020 para 3,7 bilhões de euros em 2025, com uma taxa de expansão anual de 6,8%. Enquanto avanços como monitoramento de máquinas via painéis “on-board” estejam entre as tecnologias mais disseminadas, as soluções telemáticas e os sistemas VRT (tecnologia de taxa variável) ainda estão nos primeiros estágios de adoção. A interoperabilidade entre as soluções é apontada como um desafio, embora ações de padronização lideradas por organizações independentes venham obtendo avanços.
Por dentro da lei
O que é
A Lei nº 14.475, que institui a Política Nacional de Incentivo à Agricultura e Pecuária de Precisão, foi publicada no dia 14 de dezembro no Diário Oficial da União (DOU). O texto teve origem no Projeto de Lei nº 149/2019, de autoria do deputado federal Heitor Schuch (PSB-RS).
O objetivo
A lei é o marco regulatório inicial da agricultura de precisão. Com ela, o governo federal poderá criar políticas públicas para melhorar a eficiência no uso de recursos, aumentar a produtividade, a rentabilidade e a sustentabilidade da produção agropecuária, agregando valor à cadeia produtiva.
O que diz
O texto determina que os órgãos responsáveis pela formulação e regulação da política criem linhas de crédito para a aquisição de equipamentos, estimulando o investimento na agricultura de precisão.
Esses órgãos também deverão promover a conexão das propriedades rurais à internet, para viabilizar o acesso dos trabalhadores às informações fornecidas pelas máquinas e permitir o monitoramento do plantio e das aplicações de insumos.
Outras diretrizes são a criação de uma rede de pesquisa, desenvolvimento e inovação voltada aos pequenos e médios produtores, para que eles tenham acesso aos recursos tecnológicos, e o estímulo à adoção de técnicas de redução de gases do efeito estufa.
Na área da educação, os órgãos competentes terão de incluir disciplinas relacionadas à agricultura de precisão nos currículos dos cursos de ciências agrárias, entre outras ações para estimular a capacitação de mão de obra em nível técnico, superior e de pós-graduação.
O texto determina ainda que seja aplicada a mesma alíquota de imposto sobre os itens nacionais e importados produzidos pela agricultura de precisão.
Outro ponto sugere que a agricultura de precisão seja reconhecida como técnica de redução de riscos para efeito de contratação de seguros rurais.